Brasil discute redução do teto de preços de medicamentos e gera debate no setor

O governo federal brasileiro está considerando uma proposta para reduzir o teto máximo de preços dos medicamentos, atualmente regulado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), sob a supervisão da Anvisa. A medida visa aproximar o preço máximo regulamentado dos valores praticados no varejo, uma vez que as farmácias geralmente oferecem descontos médios de 30% em relação ao teto estabelecido pelo governo.

A proposta já levanta preocupações entre fabricantes e varejistas do setor farmacêutico. Especialistas alertam que a mudança pode afetar a concorrência e comprometer a sustentabilidade de pequenas farmácias, especialmente as independentes e de redes regionais, que representam 80% do setor. Muitas dessas farmácias costumam cobrar o preço máximo para garantir sua margem de lucro e podem ser desproporcionalmente impactadas pela alteração.

Além disso, representantes da indústria farmacêutica temem que a redução do teto leve à retirada de alguns medicamentos de baixo custo do mercado, pois muitos desses produtos já operam com margens reduzidas.

CMED

A CMED estuda formas de aproximar o teto dos preços reais sem comprometer o modelo atual de descontos praticados pelo varejo. No entanto, qualquer redução precisa ser moderada para evitar desestabilizar o setor.

A discussão sobre o teto de preços não é nova. Em 2020, o senador Fabiano Contarato apresentou um projeto de lei sobre o tema, impulsionado por um alerta do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que apontava que a diferença entre o teto e os preços reais poderia permitir aumentos repentinos em momentos de escassez.

O controle da inflação tem sido uma prioridade do governo, e o tema ressurgiu como parte do pacote de regulamentação dos medicamentos, listado entre as 25 iniciativas prioritárias do Ministério da Fazenda em janeiro deste ano. Alguns representantes do setor acreditam que a proposta visa amenizar o impacto negativo da alta dos preços dos alimentos na percepção da população.

Reação do setor de medicamentos

O presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, criticou a falta de diálogo do governo com o setor sobre essa proposta e alertou que a mudança pode afetar a concorrência. “Se o preço cai, a margem de lucro encolhe. Inicialmente, pequenas empresas sentirão o impacto, mas, no fim, o custo será repassado ao consumidor”, afirmou.

Mussolini também alertou que, caso o teto de preços seja reduzido excessivamente, pode se tornar inviável produzir certos medicamentos, levando ao desabastecimento.

Por outro lado, a CMED reconhece que uma mudança abrupta pode trazer riscos. Daniela Marreco, secretária-executiva do órgão, ressaltou que, em países que adotaram medidas semelhantes, os descontos dados por fabricantes e varejistas diminuíram ao longo do tempo. Além disso, em alguns casos, alinhar o teto ao preço real resultou no aumento de determinados medicamentos, cujos valores estavam abaixo da inflação.

Varejo farmacêutico

A maior preocupação do varejo farmacêutico é o impacto sobre pequenas farmácias, especialmente aquelas que operam em áreas remotas e de baixa renda. Muitas dessas lojas mantêm sua lucratividade cobrando o preço máximo dos medicamentos ou operando de maneira mais informal. Reduzir o teto pode inviabilizar seus negócios, já que vender produtos com preços permanentemente mais baixos não seria sustentável para esses estabelecimentos.

Segundo estimativas do setor, entre 50 mil e 60 mil farmácias poderiam fechar as portas caso a medida seja implementada sem ajustes. Hoje, o Brasil possui cerca de 90 mil farmácias, sendo 80% delas pequenas ou microempresas, muitas de gestão familiar.

Relação com o Farmácia Popular e atrasos no reembolso

A possível mudança na regulação dos preços surge em um momento delicado para pequenas farmácias, que já enfrentam dificuldades com o programa Farmácia Popular. Recentemente, o Ministério da Saúde ampliou a lista de medicamentos subsidiados, incluindo fraldas geriátricas e dapagliflozina, usada para diabetes e problemas cardiovasculares. No entanto, farmácias menores têm relatado atrasos nos reembolsos do governo, prejudicando seu fluxo de caixa.

Os atrasos nos pagamentos são particularmente problemáticos em regiões de baixa renda, onde a demanda por medicamentos subsidiados é maior e as farmácias dependem desse reembolso para manter a operação.

A CMED ainda não se pronunciou oficialmente sobre as preocupações levantadas pelo setor, e a consulta pública sobre o novo modelo regulatório, que incluirá essa proposta e outras mudanças, está prevista para o meio do ano. Qualquer alteração poderá ser implementada por meio de um decreto interministerial, envolvendo os ministérios da Saúde, Fazenda, Casa Civil e Justiça, além da Anvisa.