Violência contra mulheres: 9 em cada 10 agressões ocorreram na presença de testemunhas

Pesquisa revela que filhos presenciaram 27% dos casos de violência nos últimos 12 meses. Especialistas alertam para impactos psicológicos e sociais da exposição à violência doméstica.

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou um dado alarmante: em 90% dos casos de agressão contra mulheres, houve a presença de testemunhas. O estudo entrevistou mulheres em todo o país e apontou que os filhos foram as testemunhas mais frequentes em 27% das ocorrências.

Além disso, a pesquisa identificou que 67% das agressões foram cometidas por parceiros ou ex-parceiros das vítimas. Esse percentual mais que dobrou desde a primeira edição do levantamento, realizada em 2017, quando representava 19,4% dos casos.

Violência cotidiana e falta de denúncia

A pesquisa aponta que 37,5% das mulheres entrevistadas sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Entre as agressões mais comuns, destacam-se insultos, humilhações, ameaças e agressões físicas como empurrões, socos e chutes. Casos mais graves, como espancamentos, tentativa de estrangulamento e agressões com armas brancas ou de fogo, também foram relatados.

Mesmo diante desse cenário, quase metade das vítimas (47,4%) não procurou ajuda ou denunciou as agressões. Apenas 14,2% recorreram a uma Delegacia da Mulher, enquanto 19,2% pediram apoio da família e 15,2% buscaram auxílio de amigos.

O impacto da violência sobre crianças e adolescentes

Um dos aspectos mais preocupantes do levantamento é a presença de crianças e adolescentes em um terço dos episódios de violência doméstica. Especialistas alertam que testemunhar agressões pode ter impactos significativos no desenvolvimento infantil.

A psicóloga Maria Beatriz Linhares, da Faculdade de Medicina da USP, explica que a exposição à violência doméstica pode gerar traumas profundos, além de contribuir para a reprodução de padrões agressivos na vida adulta.

“Ser testemunha de violência é sofrer uma violência. O ambiente familiar é determinante para o desenvolvimento emocional das crianças. Crescer em um cenário de agressões pode comprometer o bem-estar e influenciar negativamente suas relações futuras”, afirma.

O papel das testemunhas e o dever de intervir

Diante do alto número de testemunhas em casos de violência contra a mulher, especialistas reforçam a importância da intervenção para evitar desfechos trágicos, como o feminicídio. Em 2024, o Brasil registrou 1.459 casos desse crime, o maior número da série histórica.

A socióloga Wânia Pasinato destaca que qualquer pessoa que testemunhe uma agressão pode denunciar o caso, inclusive solicitando medidas protetivas para a vítima.

“As testemunhas muitas vezes hesitam por medo ou falta de informação. Mas é essencial lembrar que, além de chamar a polícia, elas podem prestar depoimento e até registrar a ocorrência. O silêncio perpetua a violência”, explica.

Para denunciar casos de violência contra a mulher, a Central de Atendimento à Mulher oferece o número 180, um serviço gratuito e sigiloso disponível 24 horas por dia.

A pesquisa reforça a necessidade de ampliar a conscientização sobre o papel da sociedade no combate à violência doméstica. A intervenção precoce pode não apenas salvar vidas, mas também impedir que novas gerações cresçam em um ambiente de medo e agressividade.