Pequenas cidades gastam mais de R$ 1 milhão ao ano com salários do Executivo, mesmo sem oferecer saneamento básico

Enquanto boa parte da população ainda vive sem saneamento básico ou acesso garantido a água tratada, centenas de pequenas cidades brasileiras continuam mantendo estruturas administrativas robustas – e caras. Com menos de 3 mil habitantes, diversos municípios gastam mais de R$ 1 milhão por ano apenas com os salários de prefeitos, vices, secretários e assessores, mesmo quando a arrecadação própria mal cobre as despesas básicas.

É o caso de Cedro do Abaeté (MG), que tem pouco mais de mil moradores e nove secretarias municipais. Os salários do prefeito, vice, secretários e chefe de gabinete somam R$ 860 mil por ano, superando a arrecadação estimada em impostos e taxas para 2025, que é de R$ 758 mil, segundo dados da Lei Orçamentária Anual (LOA).

Cenário semelhante aparece em Cachoeira de Goiás (GO), com 1.419 moradores. Os gastos com agentes políticos superam R$ 1 milhão ao ano, praticamente toda a arrecadação própria da cidade.

O problema se agrava pelo fato de que o município sequer oferece água tratada a todos os moradores e foi recentemente condenado a construir um sistema de esgoto.

Em Lajeado Grande (SC), a realidade também chama atenção. A cidade investe R$ 865 mil por ano com o alto escalão do Executivo, mesmo tendo uma arrecadação prevista de R$ 1,2 milhão. Já Santo Afonso (MT), com 2.460 habitantes e rede de esgoto em apenas 6% das casas, destina R$ 973 mil para salários políticos – mais do que os R$ 882 mil reservados para saneamento.

Em Amparo do São Francisco (SE), o quadro é igualmente alarmante. Apesar de ter água em todas as residências, 61% do volume captado é perdido. A cidade gasta R$ 1,2 milhão anuais com o gabinete do Executivo e tem uma receita prevista de apenas R$ 2 milhões.

Esses números contrastam com cidades mais estruturadas, como Botucatu (SP), que tem 150 mil habitantes e gasta R$ 4,43 milhões anuais com sua gestão pública – o que representa apenas 2,6% da arrecadação de R$ 168,3 milhões em impostos.

Especialistas em direito público e finanças apontam que a autonomia municipal garantida pela Constituição se transformou, em muitos casos, em uma gestão descontrolada e onerosa. Para o professor da PUC-SP, José Jerônimo Nogueira de Lima, é hora de discutir uma legislação que limite o tamanho da estrutura administrativa em cidades de pequeno porte. Já o advogado Gustavo Marinho sugere a criação de modelos de governança compartilhada, especialmente em municípios com baixa arrecadação e pouca capacidade de investimento.

Apesar da pressão por mudanças, o tema é delicado: prefeitos garantem apoio político a deputados e senadores, o que dificulta qualquer avanço no Congresso.