Instagram e Facebook são proibidos de usar dados de brasileiros para treinar IAs, decide ANPD

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu, nesta terça-feira, 2, a primeira medida preventiva de sua história contra a Meta — dona do Instagram, Facebook e WhatsApp — ordenando a suspensão imediata do uso de dados de usuários para o treinamento de modelos de inteligência artificial generativa.

A ANPD justifica a decisão pelo “risco iminente de dano grave e irreparável ou de difícil reparação aos direitos fundamentais dos titulares afetados” e estabeleceu uma multa de R$ 50 mil por dia de descumprimento. Um representante legal da Meta tem cinco dias úteis para entregar uma declaração à ANPD atestando a interrupção desse tratamento de dados. A aplicação da multa começará após esse prazo.

Decisão e recursos

A Meta tem dez dias corridos para recorrer ao conselho diretor da ANPD, caso queira tentar reverter a decisão cautelar. Em comunicado, a empresa argumentou que a decisão da ANPD atrasa a chegada de benefícios da IA para os brasileiros. Um exemplo mencionado foi o gerador de figurinhas do WhatsApp, que recentemente relacionou fuzis a pessoas negras em um teste realizado pela Folha. Essas tecnologias, que geram textos, imagens e áudios, são condicionadas por grandes quantidades de dados no processo conhecido como treinamento.

A ANPD identificou indícios de “tratamento de dados pessoais com base em hipótese legal inadequada, falta de transparência, limitação aos direitos dos titulares e riscos para crianças e adolescentes”. Essas constatações preliminares sustentaram a medida preventiva.

Investigações e transparência

A área técnica da agência reguladora conduzirá uma análise detalhada das práticas da Meta, com duração de até um ano, para tomar uma decisão definitiva. A diretora da ANPD, Miriam Wimmer, afirmou que será investigado se “houve prejuízo para os consumidores”, uma vez que a empresa não especificou quando começou o tratamento de dados e não informou se já utilizou esses dados. “Essa ainda é uma decisão cautelar, uma cognição”, explicou Wimmer.

Segundo a autoridade de proteção de dados, embora os usuários pudessem se opor ao tratamento de dados, “havia obstáculos excessivos e não justificados ao acesso às informações e ao exercício desse direito”. O formulário para solicitar a interrupção do uso de informações pessoais exigia a navegação por cinco páginas de configurações no Instagram, conforme revelou a Folha, e mais três etapas para completar o documento.

“A LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados] dá grande ênfase à transparência, porque essa é uma condição essencial para que o titular possa exercer seus direitos”, destacou Wimmer.

Em 2021, durante alterações na política de privacidade do WhatsApp, a ANPD já havia recomendado que a Meta disponibilizasse “em destaque” na primeira página da política de privacidade, apontando um padrão obscuro de mascaramento de informações, conforme nota da associação Data Privacy Brasil.

A avaliação preliminar também indicou que dados pessoais de crianças e adolescentes, como fotos, vídeos e postagens, poderiam estar sendo coletados e utilizados para treinar os sistemas de IA da Meta. A LGPD exige que o tratamento de dados de crianças e adolescentes seja sempre realizado em seu melhor interesse, com salvaguardas e medidas de mitigação de risco, “o que não foi verificado” nesta análise inicial da ANPD.

Resposta a questionamentos do Idec

A decisão da ANPD foi em resposta a um questionamento do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) sobre a política da Meta. O instituto afirmou que a conduta da empresa violava a LGPD e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Idec também destacou que a Meta anunciou mudanças na política de privacidade apenas na Europa. “A Meta trata os brasileiros como cidadãos de segunda classe. Mudar as regras e dificultar o acesso a direitos por parte dos consumidores é uma prática comum dela em relação à sua política de privacidade”, afirmou a advogada do Idec, Marina Fernandes, em comunicado.

Esta é a primeira vez que a ANPD impõe uma medida preventiva contra uma gigante da tecnologia, marcando um momento significativo na defesa dos direitos de proteção de dados dos brasileiros.