Parque eólico no RS reacende disputa territorial entre Brasil e Uruguai após quase um século

A construção do Parque Eólico Coxilha Negra, no Rio Grande do Sul, reacendeu uma antiga disputa territorial entre Brasil e Uruguai. A área em questão é conhecida como Rincão de Artigas. Segundo o governo brasileiro, ela pertence ao município de Santana do Livramento (RS). Entretanto, o Uruguai voltou a contestar a soberania brasileira sobre o território, que possui pouco mais de 200 km².

Embora o impasse remonte a quase 100 anos, a instalação da usina reacendeu o debate. A área, com formato triangular e baixa densidade populacional, foi classificada como contestada pelo Ministério das Relações Exteriores do Uruguai em nota divulgada neste mês.

Entenda a origem da disputa entre Brasil e Uruguai

Brasil e Uruguai assinaram um tratado de delimitação de fronteiras em 1851, após o reconhecimento da independência uruguaia. A linha divisória foi traçada com base em arroios e marcos naturais, como os rios Invernada e Moirões.

Contudo, em 1933, durante trabalhos de manutenção na fronteira, um coronel uruguaio questionou a localização dos marcos. Segundo ele, houve erro de interpretação ao demarcar a área do Rincão de Artigas. Um geógrafo do país vizinho confirmou a hipótese após novos estudos. Assim sendo, em 1934 o Uruguai solicitou ao Brasil a revisão dos limites.

De acordo com o engenheiro cartográfico Wilson Krukoski, o governo brasileiro recusou a proposta. Afirmou que, ao longo de 78 anos, jamais havia surgido dúvida quanto à interpretação do tratado. Ainda assim, o Uruguai passou a tratar a área como território em disputa.

Incidentes diplomáticos e tensões pontuais

A controvérsia voltou a ganhar força em 1985, quando o Brasil construiu a Vila Thomaz Albornoz na área contestada. Como resultado, o governo uruguaio enviou uma nota de protesto. Em resposta, o Brasil reafirmou a validade do tratado original e descartou qualquer revisão. Em 1989, outra nota foi enviada, classificando a tentativa de modificação do tratado como um “atentado à estabilidade territorial”.

Apesar dos episódios, a relação diplomática entre os países permaneceu estável ao longo das décadas.

Novo episódio: o papel do parque eólico

A mais recente controvérsia teve início em junho deste ano. Na ocasião, a chancelaria uruguaia publicou um comunicado nas redes sociais e em nota oficial. O texto dizia que o Brasil não havia informado sobre a construção da usina no local disputado. O governo uruguaio reforçou que a obra não representava reconhecimento da soberania brasileira sobre o território.

Ademais, o Uruguai solicitou que o diálogo diplomático fosse retomado, em nome da equidade e da irmandade entre os povos. Até o momento, o Itamaraty não respondeu oficialmente ao comunicado.

Usina e investimentos em energia limpa

O Parque Eólico Coxilha Negra começou a ser construído em 2022 e entrou em operação em julho de 2024. O investimento foi de R$ 2,4 bilhões. Segundo a Eletrobras, a usina tem capacidade para abastecer cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Com 72 turbinas de 125 metros de altura, o parque envia energia ao Sistema Interligado Nacional. Conforme a empresa, trata-se de um avanço no compromisso com fontes sustentáveis.

Disputas paralelas e cenário atual

Além do Rincão de Artigas, há divergência entre Brasil e Uruguai sobre a Ilha Brasileira, também localizada na fronteira. Contudo, em ambos os casos, os dois países têm mantido um relacionamento diplomático cordial.

Embora a nova nota uruguaia tenha sido firme, ela foi redigida em tom respeitoso. O texto expressa o desejo de encontrar soluções em fóruns apropriados, baseando-se em justiça e cooperação.