Tubarões viciados em cocaína parece até história de filme, não é mesmo?! Mas desta vez, é uma realidade encontrada em águas brasileiras que inspirou a sétima arte. Primeiro, surgiu o filme “Cocaine Shark”, uma produção B sobre tubarões mutantes e assassinos (que, aparentemente, nunca consumiram a droga). Meses depois, documentaristas lançaram “Cocaine Sharks”, uma tentativa de descobrir se os tubarões no Golfo do México consomem pacotes de cocaína perdidos ou descartados por traficantes.
“É um título chamativo que destaca um problema real”, afirmou Tracy Fanara, uma comunicadora científica da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), ao The Guardian no ano passado. Fanara participou do documentário e ressaltou a questão da exposição da vida selvagem a drogas e outras formas de poluição. No entanto, as evidências de tubarões “viciados” em cocaína foram inconclusivas.
Agora, cientistas brasileiros apresentam a primeira prova de que os animais estão, de fato, expostos à cocaína. Treze tubarões-de-nariz-afiado capturados em águas costeiras próximas ao Rio de Janeiro apresentaram vestígios da droga em seus músculos e fígados, conforme relatório publicado esta semana na Science of the Total Environment.
Poluição por cocaína
Os achados são “muito importantes e potencialmente preocupantes”, diz Sara Novais, uma ecotoxicolgista marinha do Centro de Ciências Marinhas e Ambientais da Universidade Politécnica de Leiria. Novais, que não participou do estudo, adverte que mais pesquisas são necessárias para determinar se os tubarões — ou os humanos que os consomem — são prejudicados pela exposição.
A cocaína foi detectada em esgoto e rios em vários países, incluindo o Brasil. Em torno do Rio de Janeiro, a droga provavelmente chega ao mar diretamente do esgoto de laboratórios clandestinos onde a cocaína é refinada. Também é trazida por usuários de drogas através de esgoto não tratado. Pacotes de cocaína perdidos ou descartados por traficantes também podem ser uma fonte de poluição.
Enrico Mendes Saggioro, um ecotoxicolgista do Instituto Oswaldo Cruz, e sua equipe se perguntaram se os tubarões poderiam estar expostos à cocaína. Os tubarões-de-nariz-afiado (Rhizoprionodon lalandii) passam toda a vida em águas costeiras, e Saggioro supôs que eles seriam uma das espécies mais propensas a absorver a droga, seja diretamente da água do mar, dos peixes que consomem ou possivelmente de pacotes à deriva.
Diferente dos predadores célebres no documentário “Cocaine Sharks” — como tubarões-martelo e tubarões-tigre —, os tubarões brasileiros eram juvenis e pequenos adultos, com uma média de 52 centímetros de comprimento e pesando menos de um litro de leite.
A equipe comprou 13 tubarões de pequenas embarcações de pesca que visam essa espécie e outras. Após dissecação dos tubarões no laboratório, os tecidos musculares e hepáticos foram analisados utilizando uma técnica padrão chamada cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas. Todas as amostras deram positivo para cocaína, com concentrações até 100 vezes superiores às previamente relatadas para outras criaturas aquáticas.
“Esta é uma evidência do aumento do perigo da poluição por cocaína”, afirma Anna Capaldo, endocrinologista e especialista em poluição ambiental da Universidade de Nápoles Federico II, que não participou da pesquisa.
Uma preocupação é que os poluentes no fígado dos tubarões possam prejudicar a produção de viteloginina, essencial para a formação da gema dos ovos. Todas as fêmeas no estudo estavam grávidas, embora as consequências da exposição à cocaína para os fetos sejam desconhecidas. Também não está claro se a droga afeta o comportamento dos tubarões.
A cocaína pode ser tóxica para moluscos, crustáceos e peixes ósseos. Estudos laboratoriais anteriores mostraram que concentrações ambientalmente realistas podem causar vários sinais de danos — fragmentação de DNA e morte celular, por exemplo — em embriões de zebrafish. Testes com enguias revelaram a interrupção de hormônios importantes. Apenas um punhado de outros estudos testou peixes selvagens em busca de narcóticos ilegais.
Saggioro e seus coautores pedem mais testes para detectar cocaína em águas costeiras a fim de identificar exatamente sua origem. Como predadores de topo que consomem peixes em uma ampla área, os tubarões poderiam servir como sentinelas para identificar pontos críticos de poluição por drogas.
A equipe também observa que os tubarões são uma fonte comum de alimento no Brasil. Se altamente contaminados com cocaína, eles podem representar um risco para a saúde.