Em meio à paisagem preservada de Jardim, no Mato Grosso do Sul, uma sucuri gigante tornou-se personagem de um dos mistérios mais fascinantes da fauna brasileira. Isolada no interior do Buraco das Araras — uma cratera rochosa com mais de 100 metros de profundidade — a serpente ganhou o apelido de “sucuri do buraco” e há anos intriga guias turísticos, biólogos e visitantes.
O primeiro registro visual aconteceu em 2017. Na ocasião, um turista flagrou a movimentação da cobra com a ajuda de um binóculo. Desde então, ela foi vista pouquíssimas vezes. Ainda assim, sua presença se tornou um símbolo do local, que abriga também mais de 150 espécies de animais silvestres e ao menos 120 araras-vermelhas.
Um mistério entre rochas e araras
A chegada da sucuri à dolina — nome técnico para esse tipo de depressão geológica — é até hoje inexplicável. Alguns guias acreditam que uma enxurrada, causada por chuvas intensas, pode ter arrastado o animal para dentro da cratera. Como o paredão é íngreme e profundo, a serpente acabou isolada.
De acordo com Josenildo Vasquez, turismólogo da reserva, o avistamento da sucuri é raro.
Apesar do isolamento, a situação não é anormal para a espécie. A doutora em Ecologia Juliana de Souza Terra explica que as sucuris têm comportamento solitário. Só se agrupam durante o período reprodutivo, quando a fêmea emite feromônios para atrair machos — formando o chamado “bolo de reprodução”.
Com base nos registros e características visuais, Juliana acredita que a sucuri do buraco seja fêmea. Ela segue vivendo em total reclusão, cercada por natureza preservada, numa espécie de cápsula do tempo biológica.
Buraco das Araras: uma joia da biodiversidade
Formado há cerca de 300 mil anos, o Buraco das Araras é resultado da decomposição natural de rochas calcárias. A área foi reconhecida como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) em 2007 e, desde então, a entrada na cratera passou a ser proibida, exceto em casos de pesquisa científica com autorização oficial.
O turismo na área é permitido apenas em trilhas e mirantes ao redor do buraco. Guias conduzem visitantes por percursos seguros, combinando ecoturismo com educação ambiental. O objetivo é preservar a fauna e a flora sem interferir nos ciclos naturais que acontecem ali, inclusive o da sucuri, que virou símbolo da vida selvagem que resiste em silêncio, no coração do Brasil.