Perigo ou brincadeira? Pipas no Brasil colocam vidas em risco e levam à discussão sobre proibição nacional

Em uma manhã de julho, duas turmas de homens se enfrentavam em telhados opostos de um morro com vista para a praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. O cenário parecia uma disputa masculina, mas o “armamento” em questão era um pouco incomum: pipas.

Utilizando linhas cortantes conhecidas como “cerol”, os participantes cortavam as linhas de seus adversários, fazendo com que suas pipas caíssem do céu. Embora possa parecer uma brincadeira inofensiva, essa prática tem causado ferimentos graves e até mortes. Um projeto de lei que tramita no Congresso brasileiro visa proibir a fabricação, venda e uso dessas linhas cortantes em todo o país, com penas que podem variar de um a três anos de prisão e multas pesadas.

Atualmente, o uso dessas linhas já é proibido em algumas áreas congestionadas do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro. No entanto, isso não impediu que os homens no morro desrespeitassem a lei, incluindo alguns que eram policiais. Para eles, as pipas eram uma forma de terapia.

“Essa é a lógica do empinar pipas: cortar a linha do adversário,” afirmou Alexander Mattoso da Silva, um policial militar.

“Sempre tentamos voar as pipas em locais adequados para não colocar ninguém em risco. Não há risco aqui, porque a pipa cai na mata”, ele disse, apontando para a área arborizada acima. No entanto, havia vielas estreitas abaixo.

História das pipas no Brasil

As pipas têm uma longa história no Brasil e são especialmente populares nas favelas do Rio, onde a produção artesanal de pipas com bambu e papel é comum. Para muitos, as pipas evocam uma lembrança de infância e diversão leve. No entanto, quando equipadas com linhas cortantes, as pipas podem ser fatais, especialmente quando atravessam rodovias, colocando em risco motoristas que têm dificuldade em vê-las.

Embora competições de pipas sejam realizadas de forma segura em locais designados em países como França e Chile, no Brasil a prática não regulamentada tem causado muitos acidentes ao longo dos anos. Para enfrentar o perigo, motociclistas usam antenas equipadas com lâminas para cortar as linhas de pipas que possam surgir em seu caminho.

Desde 2019, foram registradas mais de 2.800 ocorrências de uso ilegal das linhas cortantes apenas no estado do Rio, segundo o Instituto MovRio. A legislação brasileira reconhece o empinar pipas como um patrimônio cultural e histórico, mas a falta de regulamentação rigorosa tem levado a um aumento nos acidentes.

Em resposta ao crescente número de acidentes, um projeto de lei federal propõe a proibição total das linhas cortantes. O projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro, aguarda votação no Senado. Alguns defensores das pipas, como Carlos Magno, presidente da associação de pipaficionados do Rio, argumentam que a prática pode ser segura em áreas designadas, semelhantes a campos de tiro para armas.

Projeto de lei

Por outro lado, o autor do projeto de lei, Paulo Telhada, acredita que qualquer exceção significaria mais vidas e membros perdidos. Para ele, a segurança deve vir em primeiro lugar.

Kelly Christina da Silva, cujo filho Kevin foi morto em 2015 por uma linha cortante enquanto andava de moto, apoia a proibição.

“A vida do meu filho foi destruída por um jogo”, lamentou, destacando a dor e a perda enfrentadas pela família.

Enquanto alguns ainda defendem a prática das pipas em áreas seguras, outros acreditam que a segurança deve ser priorizada e que leis mais rígidas são necessárias para evitar mais tragédias.

Matéria traduzida de AP News