Pepe Mujica morre aos 89 anos e deixa legado de resistência, simplicidade e transformação no Uruguai

José Mujica, ex-presidente do Uruguai e um dos últimos grandes símbolos da esquerda latino-americana, morreu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos, em Montevidéu. A confirmação foi feita pelo presidente do país, Yamandú Orsi, que o chamou de “presidente, ativista, guia e líder”. Em janeiro, Mujica decidiu interromper o tratamento contra um câncer no esôfago e passou seus últimos meses em cuidados paliativos, em sua modesta chácara nos arredores da capital uruguaia.

Desde o diagnóstico, Mujica passou por sessões de radioterapia que reduziram o tumor, mas sua recuperação foi dificultada por uma doença autoimune. A metástase no fígado foi confirmada no início de 2025. “Nos últimos dias, ele sabia que estava em suas horas finais”, relatou Fernando Pereira, presidente da Frente Ampla, partido liderado por Mujica.

Antes de se tornar presidente, Mujica foi militante do grupo guerrilheiro Tupamaros, que atuou nos anos 1960 com ações como assaltos a bancos, sequestros e atentados. A resposta do regime militar foi brutal: ele passou quase 15 anos na prisão, sendo dez deles em isolamento extremo, muitas vezes confinado em buracos no chão.

Com o retorno da democracia em 1985, Mujica foi libertado por anistia e iniciou sua trajetória institucional. Entrou na política pela Frente Ampla, coalizão de esquerda e centro-esquerda, e rapidamente conquistou o apoio popular por seu jeito simples e direto. Em 2005, assumiu o Ministério da Agricultura. Quatro anos depois, foi eleito presidente do país com 52% dos votos.

Durante o mandato (2010–2015), transformou o Uruguai em referência mundial em direitos civis e inovação social. Legalizou o aborto no primeiro trimestre, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o cultivo e comercialização de maconha — medidas pioneiras na América Latina.

Símbolo global de austeridade e coerência

Mujica recusou os luxos do poder. Morou em uma casa com teto de zinco, cultivou crisântemos para vender no mercado local e dirigia um Fusca azul 1987. Costumava usar sandálias com meias e suéteres surrados — sua imagem virou símbolo mundial de autenticidade e humildade no poder.

Em entrevista à Associated Press, em outubro de 2023, refletiu: “A vida é trágica. É bela, mas termina. Por isso, o paraíso está aqui. E o inferno também”.

Seu estilo direto e filosófico o tornou querido internacionalmente. Distribuía panfletos nas ruas contra o machismo e almoçava em bares populares. Enquanto no poder, o Uruguai teve crescimento econômico, aumento dos salários e queda na pobreza.

Homenagens e luto mundial

A morte de Mujica provocou comoção imediata. O Uruguai decretou três dias de luto oficial. Presidentes da região e líderes mundiais prestaram homenagens. Gustavo Petro, da Colômbia, chamou Mujica de “grande revolucionário”. Evo Morales afirmou que “toda a América Latina está de luto”. Claudia Sheinbaum, do México, o descreveu como “exemplo para o mundo”. Já o Itamaraty o reconheceu como “um dos maiores humanistas do nosso tempo”.

Mujica deixa sua esposa, Lucía Topolansky, companheira de décadas, ex-guerrilheira e senadora. Eles se casaram em 2005 e não tiveram filhos. Em suas palavras finais, Mujica resumiu sua visão de legado:

“Me perguntam como quero ser lembrado. Vaidade das vaidades. A história passa. Nem o pó sobra.”