O brasileiro que abriu as portas do Vaticano: quem foi o primeiro cardeal do país a participar de um conclave

Pouco mais de um século atrás, o Brasil viveu um momento inédito em sua história religiosa e diplomática: um brasileiro cruzava o Atlântico para participar do processo que escolheria o novo líder da Igreja Católica. O nome dele era Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti — o primeiro cardeal não apenas do Brasil, mas de toda a América Latina a tomar parte de um conclave no Vaticano.

Nascido em 1850 no interior de Pernambuco, Arcoverde se tornaria uma das figuras mais emblemáticas da Igreja Católica no Brasil. Sua presença no conclave de 1914, que elegeu o papa Bento XV, representou um marco simbólico: o reconhecimento de que o Brasil havia conquistado, enfim, um espaço na cúpula eclesiástica mundial.

A presença brasileira no coração do Vaticano

Embora não fosse considerado “papável”, ou seja, cotado para ser eleito pontífice, o simples fato de Arcoverde estar entre os 57 eleitores daquele conclave causou alvoroço no país. Jornais da época registraram com entusiasmo a possibilidade — mesmo que remota — de um papa brasileiro. A imprensa local o tratava como uma esperança nacional, e sua participação já era vista como um símbolo de prestígio.

Arcoverde havia sido nomeado cardeal em 1905, quando ocupava o cargo de arcebispo do Rio de Janeiro, e fez história ao se tornar um dos poucos não europeus a atingir esse nível hierárquico. Antes dele, apenas o americano John McCloskey e um guatemalteco naturalizado espanhol haviam chegado tão longe.

Durante o conclave de 1914, especulou-se inicialmente que ele não chegaria a tempo por conta da dificuldade logística — a única alternativa de transporte partia de portos como os do Recife e do Rio. No entanto, registros apontam que ele já estava na Europa em viagem de descanso, o que facilitou sua chegada a Roma, onde participou da escolha do novo pontífice.

No conclave seguinte, em 1922, Arcoverde já estava com a saúde debilitada e, por recomendação médica, não pôde viajar até o Vaticano.

Mas sua trajetória até ali já tinha consolidado seu nome na história. Foi ele quem articulou, por exemplo, a campanha que resultou na proclamação de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil. Também teve papel decisivo na viabilização da construção do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, obra concluída em 1931, um ano após sua morte.

Além do legado religioso, Arcoverde personificava uma estratégia de inserção política e diplomática. O Império brasileiro, antes da proclamação da República, já tentava negociar com o Vaticano a nomeação de um cardeal nacional. E, ainda que os primeiros nomes cogitados não tenham vingado, foi Arcoverde quem conquistou o apoio da Santa Sé e do clero nacional.

Popular entre os fiéis e respeitado no meio político e eclesiástico, o cardeal soube usar sua influência para promover causas sociais e religiosas de grande impacto. Ele entendia o peso simbólico do catolicismo em uma nação majoritariamente cristã e soube transformar fé em articulação institucional.

A trajetória do primeiro cardeal brasileiro é um capítulo à parte da história religiosa do país — e também uma lição sobre como diplomacia, fé e visão estratégica podem caminhar juntas.