Jovem presa injustamente por seis anos morre de câncer dois meses após ser absolvida no Rio Grande do Sul

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By LatAm Reports Redatores da Equipe

Damaris Vitória Kremer da Rosa, de 26 anos, morreu 74 dias após ser absolvida de todas as acusações que a mantiveram presa por seis anos no Rio Grande do Sul. A jovem, que foi diagnosticada com câncer no colo do útero enquanto cumpria prisão preventiva, não resistiu às complicações da doença. Ela foi sepultada no dia 27 de outubro, no Cemitério Municipal de Araranguá, em Santa Catarina.

Conforme registros da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, Damaris foi detida em agosto de 2019, acusada de envolvimento no homicídio de Daniel Gomes Soveral, ocorrido em Salto do Jacuí, no Noroeste do estado. O Ministério Público sustentou que ela teria atraído a vítima para o local do crime, mas, durante o julgamento, o júri concluiu que não havia provas de sua participação.

O namorado da jovem na época, Henrique Kauê Gollmann, foi condenado por ter efetuado o disparo. Outro acusado, Wellington Pereira Viana, acabou absolvido. A defesa de Damaris sempre alegou que ela apenas havia contado ao namorado que havia sido estuprada por Daniel e que não teve qualquer envolvimento no assassinato.

Saúde ignorada e pedidos negados

Durante os anos de prisão, Damaris relatou dores intensas e sangramentos, pedindo atendimento médico e a revogação da prisão. Mesmo com documentos e receitas que apontavam a necessidade de tratamento, seus pedidos foram negados pela Justiça.

Em decisão de 2024, o Ministério Público afirmou que “não havia comprovação suficiente da doença” e que os documentos apresentados “não traziam exames ou diagnósticos concretos”. O Tribunal de Justiça do RS manteve as negativas até março de 2025, quando o estado de saúde da jovem se agravou e a prisão preventiva foi convertida em domiciliar.

Com tornozeleira eletrônica, ela passou a morar com a mãe em Balneário Arroio do Silva (SC), onde iniciou o tratamento oncológico. A advogada Rebeca Canabarro, que atuou em sua defesa, afirma que chegou a pedir a remoção do monitoramento para permitir a locomoção entre hospitais, mas o pedido não foi atendido.

“Ela estava extremamente debilitada e, mesmo assim, seguia sendo tratada como uma criminosa. Fizemos de tudo para garantir dignidade, mas o sistema foi implacável”, disse a advogada.

Júri absolve e tragédia se consuma

Em agosto, Damaris finalmente foi levada a julgamento. O Conselho de Sentença a absolveu de todas as acusações, reconhecendo a ausência de provas que sustentassem a denúncia. Dois meses depois, ela morreu em decorrência do câncer que poderia ter sido tratado mais cedo, caso tivesse recebido atenção médica adequada.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul informou que, em três ocasiões, analisou pedidos de soltura. As negativas ocorreram até que, em março de 2025, a prisão foi convertida em domiciliar “diante do diagnóstico de neoplasia maligna do colo do útero”. O Ministério Público afirmou que a libertação foi concedida “assim que a doença foi devidamente comprovada”.

Símbolo de falhas no sistema

O caso de Damaris se tornou exemplo das falhas estruturais da Justiça criminal no Brasil. Além da demora no julgamento e da negligência médica, a jovem enfrentou burocracias que atrasaram seu tratamento. Ela passou por presídios em Sobradinho, Lajeado, Santa Maria e Rio Pardo antes de ter direito à prisão domiciliar.

Descrita por amigos como inteligente e amante de literatura, Damaris dominava três idiomas e sonhava em trabalhar com tradução. Sua história, agora, reacende o debate sobre a responsabilidade do Estado em casos de prisão preventiva prolongada e sobre o acesso à saúde dentro do sistema prisional.