O agronegócio brasileiro pode se beneficiar da nova rodada de tarifas impostas pela China sobre produtos agrícolas dos Estados Unidos. Especialistas apontam que essa retaliação abre espaço para que o Brasil amplie suas exportações de grãos e carnes, embora desafios como a concorrência argentina e a instabilidade do comércio global possam limitar esses ganhos.
A China, maior compradora de produtos agrícolas dos EUA, anunciou tarifas de até 15% sobre itens como frango e algodão, além de um imposto de 10% sobre a soja americana. A decisão foi uma resposta à elevação das tarifas dos EUA sobre exportações chinesas, que passaram de 10% para 20%. O Canadá seguiu a mesma linha e impôs tarifas sobre produtos dos EUA, e especialistas preveem que o México será o próximo a adotar medidas semelhantes.
Para Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, o cenário atual é mais amplo e complexo do que a guerra comercial ocorrida no primeiro mandato de Donald Trump (2017-2021). Segundo ele, agora há mais setores e países envolvidos, incluindo ameaças tarifárias contra a Europa, México, Canadá e os países do Brics. Jank alerta que, apesar dos ganhos imediatos para o Brasil, os EUA podem, futuramente, voltar sua atenção para as altas tarifas de importação brasileiras.
O estudo do Insper Agro Global revelou que, durante o primeiro mandato de Trump, o Brasil superou os EUA como principal exportador de produtos agrícolas para a China. Em 2024, o país vendeu 31,6 bilhões de dólares em soja para os chineses, enquanto as exportações americanas do grão somaram 12,8 bilhões de dólares. Desde 2000, os embarques brasileiros de soja para a China cresceram a uma taxa média anual de 17,4%.
Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), ressalta que o aumento das tarifas pode desestabilizar o comércio global e afetar investimentos. Para ele, a disputa comercial abre oportunidades para que o Brasil expanda suas exportações de grãos, fibras e carnes, mas os riscos para o comércio internacional permanecem.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) afirmou que ainda é cedo para avaliar o impacto total das tarifas, mas ressaltou a importância de manter relações equilibradas com China e EUA, ambos parceiros estratégicos do agronegócio brasileiro.
Visão dos analistas
O analista João Birkhan, da Sim Consult, acredita que o principal efeito imediato será a reorganização dos mercados globais de soja e milho, favorecendo produtores brasileiros. Segundo ele, a China não pode simplesmente reduzir seu consumo desses produtos e, ao diminuir compras dos EUA, buscará fornecedores na Argentina, no Paraguai e, principalmente, no Brasil.
No setor de algodão, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA) prevê um aumento nas exportações no curto prazo, mas alerta para os impactos negativos que a incerteza comercial pode gerar no longo prazo. Atualmente, a China responde por 41,4% das exportações brasileiras de algodão.
Já no setor de carnes, a decisão da China de sobretaxar produtos dos EUA pode favorecer as exportações brasileiras, segundo Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Ele acredita que o Brasil pode aumentar o volume exportado, aproveitando canais comerciais já estabelecidos com importadores chineses. No entanto, alerta que, durante o primeiro mandato de Trump, os EUA e a China fecharam um acordo comercial que restaurou o fluxo normal de comércio.
Além da possibilidade de maiores exportações, Santin destaca que o principal efeito das novas tarifas será a valorização dos produtos brasileiros. Como os preços da carne suína e do frango dos EUA devem subir devido às tarifas, os produtos brasileiros podem se tornar mais competitivos. Atualmente, a China importa mais de 150 mil toneladas de frango e cerca de 200 mil toneladas de carne suína dos Estados Unidos.
Embora a guerra comercial represente uma oportunidade para o Brasil, os especialistas alertam que a instabilidade no comércio global pode gerar consequências imprevisíveis. A dependência da demanda chinesa e a possibilidade de novas tarifas sobre produtos brasileiros ainda são fatores que exigem cautela dos exportadores.