O clonazepam, conhecido comercialmente como Rivotril, é o calmante mais consumido do país e faz parte da rotina de milhões de brasileiros. O uso deveria ser restrito a crises pontuais de ansiedade ou insônia, mas se tornou um hábito contínuo — especialmente entre os idosos.
Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que, só em 2024, foram vendidas 39 milhões de unidades do medicamento. Estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas acima dos 60 anos utilizem o remédio com frequência.
O neurologista Alan Eckeli, professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, alerta que o efeito rápido e o alívio imediato fazem do clonazepam uma armadilha. “O paciente sente melhora e acredita que precisa continuar tomando. Quando percebe, já está dependente”, afirma.
De remédio a rotina
O clonazepam pertence à classe dos benzodiazepínicos, que agem desacelerando a atividade cerebral. Embora tenha indicações médicas específicas — como epilepsia, crises de pânico e distúrbios do sono —, seu uso prolongado é incorreto.
O problema começa na prescrição. Segundo Eckeli, muitos médicos indicam o medicamento sem formação em sono ou psiquiatria, tratando a insônia como um sintoma isolado. O resultado é o uso contínuo e sem acompanhamento.
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), publicada em 2022, 41% dos idosos que utilizam benzodiazepínicos tomam especificamente clonazepam.
Alívio rápido, dependência lenta
O psiquiatra Pedro Curiati, do Hospital Sírio-Libanês, explica que o medicamento tem ação prolongada, permanecendo ativo por até 24 horas. “Nos idosos, o metabolismo é mais lento. O acúmulo da substância aumenta o risco de confusão mental, quedas e perda de memória”, diz.
O baixo preço e a distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS) também contribuem para o consumo. O efeito imediato — sono rápido e sensação de calma — reforça o ciclo de dependência.
A psiquiatra Camilla Pinna, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que o vício é físico e emocional. “O cérebro aprende a relaxar apenas com o remédio. Quando a pessoa tenta parar, a ansiedade volta com mais força, o que a faz continuar tomando”, explica.
Envelhecimento solitário
Especialistas apontam que o uso do clonazepam entre idosos vai além da questão médica. Ele se tornou um símbolo de conforto emocional em um país que envelhece de forma acelerada e solitária.
“Muitos usam o calmante para lidar com o luto, a solidão e as dores crônicas. É uma dependência que nasce da falta de companhia e de acolhimento”, afirma Pinna.
O psiquiatra Paulo Rogério Aguiar, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), reforça que o desmame é delicado e precisa de acompanhamento médico. “Interromper de forma brusca pode causar crises de abstinência. A retirada deve ser lenta, com apoio psicológico e novas rotinas de sono”, orienta.
Uma geração que envelheceu sob efeito do calmante
Para o psiquiatra Tales Cordeiro, do Hospital das Clínicas da USP, o alto consumo é consequência de décadas de prescrição excessiva. “Nos anos 1990, o remédio era visto como solução para tudo. Hoje, muitos idosos seguem tomando sem lembrar quando começaram”, afirma.
O médico Almir Tavares, da Associação Brasileira de Psiquiatria, acrescenta que o clonazepam induz o sono, mas não o sono de qualidade. “Ele impede as fases profundas do descanso, como o sono REM. O corpo dorme, mas não se recupera de fato”, explica.
Os especialistas recomendam que o tratamento da ansiedade e da insônia priorize a terapia cognitivo-comportamental (TCC). O método ajuda a reprogramar padrões de pensamento e reduzir a necessidade de medicamentos.
Além disso, hábitos simples contribuem para melhorar o sono: manter horários regulares, praticar exercícios, evitar cafeína à noite e se expor à luz natural pela manhã.
“O clonazepam deve ser ferramenta temporária, não companheiro de vida”, resume o neurologista Alan Eckeli.