A recente proibição de um monólogo protagonizado por uma drag queen em El Salvador destaca um giro significativo nas políticas culturais do presidente Nayib Bukele. O espetáculo, intitulado “Inmoral”, foi cancelado após sua primeira apresentação, inicialmente alegado por questões climáticas, mas posteriormente o governo acusou a produção de não informar sobre o conteúdo “inadequado para famílias”.
A decisão foi acompanhada pela demissão de mais de 300 funcionários do Ministério da Cultura, que, segundo o presidente, promoviam agendas contrárias à visão do governo. Esse episódio ressoa com casos de censura semelhantes observados no Brasil durante o mandato de Jair Bolsonaro, onde projetos culturais que abordavam temas controversos eram frequentemente alvo de repressão.
Contexto cultural e consequências
“Inmoral”, escrita e estrelada por Irene Crown, aborda a violência e a rejeição enfrentadas por pessoas LGBTQIA+ em El Salvador e já havia sido apresentada em anos anteriores, embora com menos ênfase em elementos drag. Crown refutou as alegações de irregularidades e destacou que muitos dos críticos não assistiram ao espetáculo e nem se informaram sobre seu conteúdo.
Bukele, visto como um representante da nova direita latino-americana, tem adotado uma postura cada vez mais conservadora desde sua eleição. Embora tenha se posicionado como aliado da comunidade LGBTQIA+ em 2014, suas políticas mudaram drasticamente após sua expulsão do partido de esquerda FMLN e a ascensão ao cargo de presidente.
Em 2020, Bukele já havia se manifestado contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde então, sua administração tem promovido medidas que incluem a dissolução de órgãos voltados à diversidade sexual, a censura de conteúdos educativos e restrições à liberdade de expressão.
Ricardo Baldovinos, professor da Universidad Centroamericana, observou que a legislação vigente, que restringe liberdades civis, tem gerado um clima de autocensura entre os cidadãos. Ele argumenta que a manutenção de um regime de exceção, que possibilita prisões sem mandado judicial, reflete uma tendência autoritária que impacta diversas áreas, incluindo a cultura.
A luta contra a comunidade LGBTQIA+ parece intensificar-se, especialmente após a recente reeleição de Bukele. Em fevereiro, o presidente declarou que seu governo proíbe a “ideologia de gênero”, reforçando sua visão conservadora.
Crown acredita que a perseguição à comunidade LGBTQIA+ serve como estratégia populista de Bukele, que anteriormente focou sua oposição no Congresso e, agora, direciona sua retórica a grupos como artistas e ativistas. A censura não apenas a afetou profissionalmente, mas também pessoalmente, com conhecidos se afastando devido a suas opiniões.