Virou rotina transformar o expediente em conteúdo. Em poucos meses, os chamados “blogueiros CLT” deixaram o anonimato, acumularam seguidores e começaram a faturar com posts sobre o dia a dia no trabalho. No entanto, a ascensão trouxe atritos. Algumas empresas passaram a se incomodar com a exposição e, em certos casos, demitiram quem apareceu demais nas redes.
A psicóloga Thamiris Castro, 30, trabalhou quase dois anos em presídios no Rio. Em abril do ano passado, publicou uma trend com curiosidades da função. Os vídeos viralizaram rapidamente. Depois disso, ela seguiu mostrando a rotina sem roteiro ou produção. Em junho deste ano, foi desligada.
Segundo Thamiris, ninguém a advertiu ou pediu ajustes antes da demissão. Ainda assim, ela diz que teria mudado o formato, sem mostrar crachá ou detalhes sensíveis. “O combinado não sai caro”, afirma.
Casos semelhantes se repetem. A influenciadora e profissional de marketing Geovanna Pedroso, 23, produzia conteúdo como hobby desde 2019. Mesmo sem expor o emprego, ouviu piadas internas e viu colegas criadores serem demitidos. Em setembro de 2023, também foi cortada durante uma reestruturação. Desde então, vive só da internet, com meses bons e outros instáveis.
Para alguns, a visibilidade abriu portas. Yuri Santos, 23, apareceu nos conteúdos da empregadora e, após a saída, usou LinkedIn e Instagram para anunciar a mudança. Com isso, surgiram novas oportunidades e ele voltou ao mercado formal. Thamiris, por sua vez, ampliou a clientela com pacientes que a conheceram pelos vídeos.
Onde está o atrito: e como transformar em oportunidade
Para Leandro Oliveira, diretor da Humand no Brasil, ainda falta maturidade digital a parte das empresas. Segundo ele, o colaborador com presença online pode ser aliado, desde que haja regras claras e remuneração pelo esforço. Do contrário, cria-se ruído. Além disso, muitas companhias gastam com influenciadores externos enquanto ignoram talentos internos.
O doutor em comunicação Dado Schneider lembra que o fenômeno não é exatamente novo. Agora, porém, ganhou escala. Ele vê perfis distintos: quem promove a empresa espontaneamente; quem usa o nome da marca para impulsionar a imagem pessoal; e quem apenas segue tendências. Na avaliação dele, parte das demissões ocorre por ciúme ou ressentimento interno. Muitas vezes, o criador tem mais visibilidade que colegas hierarquicamente acima, e isso incomoda.
Do ponto de vista jurídico, não há proibição geral para que um empregado tenha renda extra como influenciador. No entanto, a divulgação de informações sigilosas, a exposição de reuniões estratégicas ou a danos à imagem do empregador podem levar a sanções, inclusive justa causa, quando caracterizada má conduta. Assim, especialistas recomendam combinar regras, proteger segredos e preservar a privacidade de colegas e clientes.
A diretora regional da ABRH-SP, Carolina Dostal, sugere treinamento e canais de diálogo. Em outras palavras, a empresa orienta e o colaborador organiza a rotina para que os posts não prejudiquem a entrega. A advogada trabalhista Juliane Facó reforça: o essencial é alinhar valores, checar cláusulas contratuais e evitar qualquer conteúdo que possa ferir a reputação da companhia.
No fim, a tendência dos “blogueiros CLT” não deve desaparecer. Portanto, há dois caminhos: reprimir e perder potencial ou integrar e ganhar alcance. Com regras transparentes e metas alinhadas, o creator interno deixa de ser problema e vira ativo de marca.