Com o Brasil enfrentando desafios para cumprir a meta fiscal para o final do ano, o governo tem adotado métodos cada vez mais criativos para contabilizar despesas, isenções fiscais e novas receitas. Essas estratégias estão gerando preocupações entre especialistas sobre a credibilidade do novo regime fiscal do país.
Medidas não convencionais para atingir a meta
Enquanto a maioria dos economistas privados defende cortes nos programas de gastos para eliminar o déficit orçamentário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se mostrado relutante em diminuir os gastos. Em vez disso, seu governo tem buscado atingir a meta fiscal com receitas adicionais e propostas pouco convencionais, como a limpeza de contas bancárias esquecidas, o uso de um banco estatal para subsidiar o custo do gás de cozinha e a criação de uma nova isenção fiscal para medalhistas olímpicos. Essas medidas têm sido criticadas por desviarem as regras da legislação fiscal.
O Ministério da Fazenda afirmou estar comprometido com a meta orçamentária e com o cumprimento rigoroso das regras fiscais para garantir a solidez das contas públicas. No entanto, economistas alertam que essas manobras podem prejudicar o investimento privado e aumentar os custos de financiamento.
“Todos viram o extent da distorção dos dados fiscais nas administrações anteriores do Partido dos Trabalhadores, o que afeta o sentimento do mercado”, comentou Marcos Mendes, pesquisador do Insper.
Desafios a longo prazo e preocupações com a credibilidade
Para acalmar as preocupações do mercado, Lula comprometeu-se com um novo arcabouço fiscal que limita o crescimento das despesas e busca criar um superávit orçamentário até 2026. No entanto, a maioria dos economistas ainda vê a meta para este ano como inatingível, prevendo um déficit primário de 0,6% do PIB, uma melhora em relação ao déficit de 2,4% do ano passado.
Alguns críticos argumentam que a busca por receitas pontuais e gastos fora do orçamento para atingir a meta pode desviar a atenção do trabalho mais difícil necessário para controlar a dívida pública. “Adicionar valor apenas para atingir a meta não mudará nossa posição fiscal, apenas minará a credibilidade da meta”, afirmou o ex-secretário do Tesouro, Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments.
Desde o início do mandato de Lula em janeiro de 2023, a dívida bruta do governo aumentou quase 7 pontos percentuais, atingindo 78,5% do PIB em julho. Um membro da equipe de política econômica do governo, que falou sob condição de anonimato, reconheceu que medidas de curto prazo para controlar despesas, como a repressão a beneficiários fraudulentos de programas sociais, não serão suficientes para sustentar o novo arcabouço fiscal nos próximos anos. “É necessário fazer algo mais estrutural”, disse a fonte, acrescentando que esforços mais dramáticos para controlar os gastos sociais encontrariam resistência no Partido dos Trabalhadores.
Controvérsias e debates sobre leis fiscais
A busca pela meta de fim de ano desencadeou uma série de debates sobre a legislação fiscal do Brasil. Quando legisladores aliados ao governo tentaram apropriar mais de 8 bilhões de reais deixados em contas bancárias esquecidas pelo Tesouro, o Banco Central emitiu uma nota argumentando que os fundos não deveriam contar para a meta fiscal. A coalizão do governo na Câmara dos Deputados respondeu com uma disposição para incluir esses fundos no orçamento.
O governo também tem contado com bancos estatais para reforçar programas sociais sem contabilizar os custos no orçamento federal. Em agosto, foram propostas subsídios ao gás de cozinha para famílias pobres, financiados com recursos da exploração de petróleo em alto-mar e roteados através do banco público Caixa Econômica Federal. Após críticas, o governo prometeu redesenhar a ideia.
Outra manobra semelhante, envolvendo a canalização de fundos do Fundo Nacional de Aviação Civil através do banco de desenvolvimento BNDES para fornecer empréstimos a companhias aéreas, aguarda assinatura presidencial. Embora algumas isenções fiscais do governo tenham sido amplamente aceitas, outras, como a isenção de impostos para os medalhistas olímpicos, geraram polêmica por violarem a legislação fiscal e um precedente do Supremo Tribunal Federal.
Um oficial da equipe econômica do governo alertou que, apesar do tamanho dessas manobras, o mais preocupante é o precedente de desrespeitar as regras fiscais.
“Um pequeno truque contábil aqui ou ali pode gerar um gosto por isso, e isso pode crescer”, advertiu o oficial, pedindo anonimato para discutir livremente os debates internos.
Artigo inspirado em matéria de Reuters