Delfim Netto, um dos mais influentes economistas da história do Brasil, morreu nesta segunda-feira, 12, aos 96 anos, em São Paulo. Figura central na economia brasileira durante o regime militar, Delfim Netto é lembrado tanto por suas contribuições ao crescimento econômico quanto por sua controversa participação na formulação do Ato Institucional número 5 (AI-5), o mais duro e repressivo ato da ditadura.
Ao longo de sua vida, Delfim se reinventou, passando de um personagem central do regime militar a conselheiro econômico de governos democráticos, incluindo os de Luiz Inácio Lula da Silva.
Do ‘milagre econômico’ ao AI-5: a ascensão de Delfim Netto
Delfim Netto ascendeu rapidamente ao centro das decisões econômicas do Brasil, nomeado ministro da Fazenda em 1967, aos 38 anos. Sua gestão foi marcada pelo chamado “Milagre Econômico”, um período de crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB), que alcançou uma média de 10% ao ano, chegando a picos de 13% entre 1971 e 1973. Sob seu comando, o governo priorizou o crescimento econômico, com incentivos fiscais, desvalorizações cambiais e ampliação dos investimentos públicos, que impulsionaram a indústria e as exportações brasileiras.
Entretanto, o crescimento econômico promovido por Delfim Netto teve um custo elevado. A desigualdade social se aprofundou, com a renda se concentrando nas mãos dos mais ricos, enquanto o valor real do salário mínimo caía e a parcela mais pobre da população via sua participação na renda nacional encolher. Além disso, o país acumulou uma dívida externa expressiva, que passou de US$ 3,666 bilhões em 1966 para US$ 12,572 bilhões em 1973, plantando as sementes para a crise econômica que se instalaria nas décadas seguintes.
Mas talvez a marca mais indelével de Delfim Netto na história brasileira seja sua participação direta na criação do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 1968. O AI-5 foi o mais radical dos atos institucionais editados pelo regime militar, fechando o Congresso Nacional, suspendendo direitos civis, e intensificando a repressão a opositores políticos.
Delfim não foi apenas um signatário do AI-5, mas um de seus idealizadores, sendo parte integral da decisão que inaugurou a fase mais sombria da ditadura militar. Em diversas ocasiões, Delfim defendeu sua participação na formulação do AI-5, argumentando que o contexto da época justificava a medida extrema.
O legado pós-ministério e a reinvenção de Delfim Netto
Após deixar o Ministério da Fazenda em 1974, Delfim Netto continuou sua carreira pública como embaixador do Brasil na França e, posteriormente, como ministro da Agricultura e do Planejamento no governo de João Batista Figueiredo. No entanto, os anos 1980, marcados pela crise econômica global e pelo segundo choque do petróleo, foram desafiadores. Com o país endividado e enfrentando inflação crescente, Delfim se tornou um alvo de descontentamento popular, e a década de 1980 ficou conhecida como a “década perdida” para a economia brasileira.
Em 1987, Delfim foi eleito deputado federal, cargo que ocupou até 2007. Durante sua carreira parlamentar, distanciou-se da imagem de ministro da ditadura e começou a se aproximar de figuras políticas do campo democrático. Em 1998, estabeleceu uma relação próxima com Luiz Inácio Lula da Silva, a quem apoiou nas eleições de 2002 e 2006.
Durante os governos de Lula, Delfim se tornou um dos principais conselheiros econômicos do presidente, influenciando políticas e decisões estratégicas. Sua influência se estendeu ao governo de Dilma Rousseff, mesmo que ele divergisse de algumas de suas políticas econômicas.
A dualidade de Delfim Netto: entre o AI-5 e a constituição de 1988
Delfim Netto é uma figura complexa, que carrega em seu legado tanto a participação direta em um dos períodos mais repressivos da história brasileira quanto a contribuição para a construção da nova ordem democrática. Ao longo dos anos, Delfim tentou justificar sua participação no AI-5, mas nunca se desvencilhou completamente da imagem de um dos artífices da repressão.
Em entrevistas, defendeu o AI-5 como uma necessidade do momento, mas condenou aqueles que, em tempos atuais, defendem medidas semelhantes, chamando-os de “idiotas”. Ao mesmo tempo, Delfim se orgulhava de ter participado da formulação da Constituição de 1988, um marco da redemocratização brasileira.
Em resumo, Delfim Netto foi um personagem central na economia e na política brasileira por várias décadas. Sua trajetória é marcada por grandes realizações e controvérsias, refletindo a complexidade de um país que passou por profundas transformações econômicas e políticas. A influência de Delfim sobre a economia brasileira, seja através de suas ações durante a ditadura ou como conselheiro de governos democráticos, será objeto de estudo e debate por muito tempo.