O projeto de lei (PL) 1904/24, proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, inclusive em casos de estupro, enfrenta crescente oposição e está longe de ser aprovado pela Câmara dos Deputados. A proposta, que prevê penas de até 20 anos de prisão para mulheres que interrompam a gravidez e seus auxiliares, gerou ampla repercussão negativa, surpreendendo até mesmo seus apoiadores.
Inicialmente, a aprovação do regime de urgência para o projeto foi resultado de um acordo com a bancada evangélica, com o objetivo de “criar um fato” político. No entanto, esse apoio não se traduziu em compromisso de aprovação por parte de outras bancadas. Lideranças do centrão, que inicialmente apoiaram a urgência, agora admitem que a proposta não tem viabilidade de ser aprovada no plenário.
Segundo uma das principais lideranças do centrão, “do jeito que está, não tem como aprovar essa proposta.” A bancada evangélica, embora não queira modificar o texto para não perder seu discurso contra o aborto em qualquer circunstância, também reconhece o risco de derrota. A resistência é ainda maior no Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) já afirmou que o projeto não tramitará em regime de urgência.
A proposta de Sóstenes Cavalcante limita o aborto a até 22 semanas de gestação e prevê penas severas, que poderiam ser mais duras do que as aplicadas aos próprios estupradores, cuja pena no Brasil varia de 6 a 10 anos, podendo chegar a 12 anos em casos de lesão corporal. Esse contraste gerou indignação e alimentou a oposição ao projeto.
Dados mostram rejeição
Dados de pesquisas nacionais reforçam a desconexão entre a proposta e a opinião pública. Entre 2018 e 2023, pesquisas do Instituto da Democracia (INCT-IDDC) mostraram que a maioria dos brasileiros é contrária ao encarceramento de mulheres que realizem abortos. Em 2023, 59% dos entrevistados se declararam contrários, enquanto apenas 28% eram favoráveis. Esses dados são consistentes em diversos subgrupos, incluindo entre evangélicos, onde 56% se opõem à prisão das mulheres, comparados a 31% que são a favor.
A reação negativa não se restringe à população geral. Nem mesmo a bancada evangélica, temendo uma derrota expressiva, parece disposta a avançar com a votação do projeto na Câmara. Além disso, o governo Lula já se posicionou contra a proposta, comprometendo-se a fazer todo o possível para barrá-la.
As manifestações públicas também refletem o descontentamento com o projeto. Nos últimos dias, diversos protestos ocorreram em várias cidades do país, incluindo uma grande manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, onde cidadãos expressaram sua oposição à ampliação da criminalização do aborto.
Em um país onde 61% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes, a proposta de penalizar severamente mulheres que buscam abortos, mesmo em casos de estupro, é vista como desumana e desproporcional. A discussão sobre o PL 1904/24 revela não apenas um desacordo sobre a questão do aborto, mas também uma profunda desconexão entre certos setores políticos e a vontade popular.
Com a oposição crescente e o suporte vacilante entre os próprios apoiadores iniciais, o futuro do projeto de lei antiaborto por estupro parece incerto. A forte resistência no Congresso e na sociedade civil destaca a complexidade e a sensibilidade do debate sobre o aborto no Brasil, sinalizando que qualquer avanço legislativo nessa área exigirá um amplo consenso e respeito aos direitos das mulheres.