CV e PCC ampliam rede na Amazônia e usam rotas fluviais até o Atlântico, aponta relatório de inteligência

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By LatAm Reports Redatores da Equipe

A fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru voltou ao centro do mapa do crime. Um relatório conjunto da Abin e da Direção Nacional de Inteligência da Colômbia descreve um corredor que começa nos rios da Amazônia e termina em portos estratégicos para a Europa e a África.

Nele, facções brasileiras negociam compra, transporte e escoamento de cocaína e skunk com grupos armados colombianos. O documento também revela que o narcotráfico avança junto com a mineração ilegal, o tráfico humano e a lavagem de dinheiro. Além disso, mostra o uso crescente de rotas fluviais e aéreas pouco fiscalizadas.

Rotas fluviais e aéreas moldam o novo mapa do tráfico

Segundo o relatório, o eixo principal do transporte de drogas é a rota do Solimões. As cargas saem de regiões produtoras na Colômbia e no Peru, passam pelos rios Javari, Içá e Japurá e chegam até Manaus. A partir daí, seguem em direção ao Pará, de onde partem para outras regiões do Brasil ou são exportadas para a Europa e a África.

Um dos pontos mais sensíveis é o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). Por oferecer acesso direto ao Atlântico e possuir fiscalização limitada, tornou-se alvo preferencial das facções.

Quando a vigilância aumenta, os grupos desviam o fluxo para o Rio Negro, utilizando afluentes menores e menos monitorados. Embora o transporte fluvial ainda seja dominante, o modal aéreo cresce de forma acelerada. Pistas clandestinas espalhadas pela Amazônia e, principalmente, na Venezuela, funcionam como elos entre a produção colombiana e o território brasileiro.

Por fim, o relatório menciona o uso de embarcações semissubmersíveis — os chamados “narcossubmarinos” — fabricadas artesanalmente no litoral do Pará e do Amapá para cruzar o Atlântico.

A região que reúne Tabatinga, Leticia e Santa Rosa é hoje o principal polo de negociação e lavagem de dinheiro da chamada “Amazônia Compartilhada”. Do lado brasileiro, o esquema opera em lojas, hotéis e comércios de fachada. Já na Colômbia, o dinheiro circula por cassinos, casas de câmbio e agências de turismo.

Com isso, os valores gerados pelo tráfico são reinseridos na economia formal e voltam para financiar novas operações criminosas. Esse ciclo alimenta a expansão de facções e reforça o poder de compra das organizações na fronteira.

Facções brasileiras dominam o território

O Comando Vermelho mantém domínio no varejo de drogas em estados como Amazonas, Pará, Acre e Rondônia. Além disso, faz negócios diretos com grupos colombianos, o que lhe garante vantagem logística para o transporte de cargas. O PCC, por outro lado, tem atuação mais focada no tráfico internacional, especialmente para o mercado europeu. Desde 2021, as duas facções disputam áreas na Tríplice Fronteira.

Apesar da rivalidade, o relatório mostra que também há cooperação pontual, especialmente quando o objetivo é o lucro. Traficantes independentes ainda formam consórcios temporários para comprar cocaína de fornecedores peruanos e colombianos. Assim, conseguem operar fora da estrutura das facções, evitando confrontos diretos e dividindo custos de transporte.

Expansão da produção de coca pressiona o Brasil

As áreas de cultivo de coca na Colômbia cresceram 126% entre 2020 e 2023, com grande parte próxima à fronteira brasileira. Esse aumento fortalece a presença de dissidências das antigas FARC, do Exército de Libertação Nacional (ELN) e de outros grupos armados. Essas organizações controlam o território, impõem taxas aos compradores e competem entre si pelas rotas fluviais.

O Estado Mayor Central, liderado por Iván Mordisco, e a Coordinadora Nacional Ejército Bolivariano estão entre os principais grupos identificados na região. A cocaína que sai dessas áreas abastece tanto o mercado interno brasileiro quanto a rota internacional. Já a maconha tipo skunk, produzida no mesmo corredor, é direcionada quase totalmente ao consumo nacional, por ter maior valor e qualidade.

Futuro da Amazônia e resposta do Estado

O relatório da Abin e da DNI alerta que, sem cooperação efetiva entre os países, a Amazônia seguirá como corredor aberto do narcotráfico. Portanto, recomenda ações conjuntas de inteligência, reforço da presença militar e ampliação da fiscalização nos portos do Pará e nas rotas aéreas do Norte. Ainda que o Brasil tenha intensificado o monitoramento, o avanço do crime organizado é rápido. A diversidade de rotas e o uso de múltiplos modais tornam difícil o controle total. Assim, o desafio vai além da repressão: exige integração regional e políticas que enfrentem as causas sociais e econômicas que sustentam o tráfico.