Mesmo depois das denúncias e da criação de regras mais rígidas, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) continuou permitindo que sistemas alternativos fossem usados para realizar descontos em massa nos benefícios de aposentados e pensionistas.
Documentos obtidos pelo Jornal Nacional revelam que, a partir de julho de 2024, o INSS já havia determinado que novas autorizações para descontos em folha só seriam aceitas com assinatura eletrônica avançada e biometria dos beneficiários — tudo por meio de sistemas oficiais do governo.
No entanto, entidades como a ANDDAP (Associação Nacional de Defesa do Direito dos Aposentados e Pensionistas) conseguiram cadastrar mais de 184 mil beneficiários usando um site próprio de assinatura virtual simplificada. O endereço foi criado exclusivamente para essa função e driblou as exigências técnicas do governo. A mesma plataforma foi usada por outras três associações — como Amar Brasil ABCB e Masterprev — que também conseguiram filiar dezenas de milhares de beneficiários e aplicar descontos automáticos.
Na internet, aposentados relatam que nunca autorizaram as cobranças. A plataforma oficial de contestação do INSS registra que mais de 99% dos segurados dizem não reconhecer os descontos feitos por essas entidades.
A aposentada Maria das Graças é um exemplo. Depois de meses com valores sendo retirados do seu benefício, ela recorreu à Justiça e conseguiu suspender as cobranças. Agora, aguarda o ressarcimento.
“A gente não sabe se vão pagar. Por enquanto, só pararam de descontar”, afirma.
Apesar de denúncias da imprensa, investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU), o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, autorizou a continuidade dos repasses com uso de uma biometria paralela, fornecida pelas próprias associações. Esse sistema alternativo operava sem reconhecimento facial oficial e foi usado mesmo após a apresentação da solução oficial da Dataprev ao governo, em setembro.
Com isso, entidades passaram a cadastrar segurados sem biometria legítima, usando páginas de assinatura virtual encomendadas para burlar as restrições.
Mesmo com a biometria oficial já disponível, Stefanutto prorrogou o uso da alternativa em duas ocasiões. A última foi em janeiro de 2025, mesmo com a Dataprev afirmando que o sistema estava funcional.
O atual presidente do INSS, Gilberto Waller Junior, criticou abertamente a medida. “Se havia suspeita de fraude e o INSS editou norma para impedir, não poderia ter criado um atalho. Isso abriu espaço para que instituições não confiáveis abusassem do sistema”, declarou.
As entidades citadas aparecem em auditorias da CGU e são alvo de inquéritos da Polícia Federal. A quantidade de filiações em curto espaço de tempo chamou a atenção das autoridades. Ainda assim, nenhuma das quatro organizações teve bens bloqueados pela Justiça — ao contrário das 12 associações incluídas em ações judiciais recentes.
A defesa de Stefanutto afirmou que todas as decisões tomadas durante sua gestão respeitaram os limites legais e operacionais. Já as associações citadas não responderam aos pedidos de esclarecimento da reportagem.