Novo portal cobre políticas climáticas na linguagem que o Brasil entende melhor: o futebol

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By LatAm Reports Redatores da Equipe

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2024 (COP 29), realizada em Baku, Azerbaijão, terminou com um acordo que prevê a contribuição de US$ 300 bilhões por países ricos ao longo de 10 anos para ajudar nações em desenvolvimento a combater as mudanças climáticas. Os países mais pobres, que devem enfrentar as maiores consequências, haviam solicitado US$ 1,3 trilhão.

Em meio a diversas matérias sobre os termos do acordo, o portal brasileiro Central da COP resumiu a situação com uma única palavra na manchete: Azerbaijaço.

Brasileiros e fãs de futebol ao redor do mundo reconhecerão de imediato que o termo faz referência ao “Maracanaço” — a derrota do Brasil por 2 a 1 para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, estádio construído especialmente para o torneio. Assim como o episódio histórico, o título sugere que o acordo foi um fracasso retumbante.

Manchetes e matérias assim são o carro-chefe do Central da COP, uma publicação criada pelo Observatório do Clima, principal ONG climática do Brasil, para cobrir políticas e discussões sobre o tema. O portal usa a linguagem e a urgência do futebol para ajudar o público a entender as questões climáticas antes da COP 30, que será realizada em Belém, no Pará, em novembro de 2025.

As matérias são ilustradas com imagens criativas, como Donald Trump sentado em um banco de reservas da Copa do Mundo, a palavra “carbono” estampada na camisa de um jogador prestes a entrar em campo, e jogadores brasileiros se consolando na ilha submersa de Tuvalu.

Acima dessas imagens, há um banner de “apostas esportivas” com frases como “polua com responsabilidade” e “venha apostar com a gente em quantos graus o mundo vai esquentar enquanto ainda investimos em petróleo”. Clicar no anúncio leva o usuário a um site que facilita o envio de cartas para representantes eleitos sobre políticas ambientais.

O Brasil tem mais de 212 milhões de habitantes e o futebol é o esporte mais popular e um pilar cultural do país. A seleção brasileira é a maior vencedora da história da Copa do Mundo da FIFA, com cinco títulos desde 1930. Em 2024, mais de 10 milhões de pessoas assistiram aos jogos do Campeonato Brasileiro.

Consumo de notícias no Brasil

Por outro lado, o consumo de notícias sobre o clima no Brasil mostra uma realidade diferente. Segundo o Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, em 2024, 60% dos brasileiros tiveram contato com alguma notícia sobre mudanças climáticas na semana anterior à pesquisa, uma queda em relação aos 65% registrados no ano anterior. O interesse por esse tipo de conteúdo também diminuiu: 61% em 2024 contra 67% em 2023. Enquanto isso, a evasão de notícias no geral cresceu de 41% para 47% no mesmo período.

Segundo Eloisa Beling Loose, professora e pesquisadora de comunicação climática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a cobertura do tema precisa considerar as especificidades regionais do Brasil. “O desafio dos jornalistas é mapear quem é o público-alvo dessas informações e trabalhar com isso em mente no contexto local. A cobertura nacional tem a responsabilidade de mostrar como a crise climática conecta as queimadas na Amazônia às enchentes no Rio Grande do Sul”, disse por e-mail.

Roberto Kaz, editor do Central da COP, explicou que o nome da publicação foi inspirado no “Central da Copa”, programa de TV brasileiro que faz sucesso cobrindo a Copa do Mundo. A partir daí, decidiu adotar o formato que associa termos do futebol ao contexto climático.

Kaz já tem experiência em envolver o público com temas complexos de forma criativa. Ele é escritor e editor da revista piauí, onde atuou na seção de sátiras Piauí Herald. Em 2018, ajudou a lançar o MemeNews, um boletim diário que usava memes para explicar políticas ambientais e questões de direitos humanos no Brasil durante o governo Bolsonaro.

Agora, Kaz leva essa mesma criatividade ao Central da COP. As matérias são produzidas por membros do Observatório do Clima, freelancers e autores de outras ONGs ambientais do Brasil. O editor costuma solicitar textos sobre temas específicos e, posteriormente, insere as referências ao futebol durante o processo de edição.

“Sempre digo para [os escritores]: não pensem em futebol. Escrevam como se fosse para um site normal que fala sobre o clima. O que me importa é que o texto tenha consistência, fatos e seja bem escrito. O futebol é só uma maneira de atrair o leitor para a matéria. Uma vez lá, quero que ele se informe sobre as questões climáticas”, explica Kaz.

A publicação também conta com uma coluna de checagem de fatos chamada VAR (Árbitro Assistente de Vídeo), uma referência à tecnologia usada para revisar lances no futebol. A lista dos 10 países que mais emitem dióxido de carbono é apresentada como uma “tabela do Campeonato Mundial de Emissões 2023”, simulando a classificação de um campeonato de futebol. Essa lista também serve de base para um torneio, onde os usuários podem prever quais países vão “chegar à final”, ou seja, cumprir suas metas climáticas.

Embora a audiência ainda seja modesta, devido ao lançamento recente em novembro, Kaz planeja uma série de novas iniciativas para este ano. Entre elas estão um álbum de figurinhas no estilo futebol e eventos presenciais chamados Central na Rua, onde o mascote Petro Leco, em formato de bomba de gasolina, ajudará a explicar as notícias sobre políticas climáticas ao público, em um formato inspirado em programas esportivos.

O primeiro evento acontecerá em março, no Sesc Jundiaí, em São Paulo, seguido de apresentações no Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, e no festival Rio2C, focado em criatividade.

O objetivo de tudo isso, segundo Kaz, não é necessariamente atrair fanáticos por futebol, mas apresentar as políticas climáticas em uma linguagem familiar e tornar o tema mais acessível.

Texto traduzido de NiemanLab